O que é dislexia? Como saber se você tem? E o seu filho?

menino com dislexia refletindo

Tópicos

O que é dislexia?

A Dislexia é um transtorno do neurodesenvolvimento, caracterizada por dificuldade persistente em leitura, apesar de capacidade intelectual, instrução escolar e orientação familiar adequadas.

Um transtorno do neurodesenvolvimento quer dizer que a criança já nasce com o quadro, com sinais que podem ser observados desde o nascimento e/ou ao longo de seu desenvolvimento.

O grupo de transtornos do neurodesenvolvimento (de acordo com manual de doenças mentais – DSM-5) englobam:

O transtorno específico da aprendizagem diz respeito a dificuldades persistentes na aquisição e desenvolvimento da leitura, escrita e/ou matemática. Quando os sintomas são específicos à leitura, denomina-se Transtorno específico de aprendizagem com déficit em leitura, ou dislexia.

Resumindo: dislexia é um dos transtornos específicos de aprendizagem e estes, por sua vez, pertencem aos transtornos do neurodesenvolvimento.

Causas da dislexia

Estudos de neuroimagem sugerem que a dificuldade de leitura está associada a diferenças na estrutura e função de áreas cerebrais envolvidas na leitura, como córtex têmporo-parietal esquerdo, occipito-temporal e frontal inferior, cerebelo.

Estas áreas do cérebro são responsáveis por processar informações que recebemos do ambiente, e para organizar nossos conhecimentos e o que queremos expressar, seja pela fala, desenho, leitura, escrita. A conexão entre as áreas cerebrais permite a realização de importantes tarefas, dentre elas a leitura e a escrita.

De uma forma muito simplificada, as áreas são ativadas em diversas situações: o córtex temporal é ativado durante várias tarefas de processamento auditivo, linguagem e memória; o córtex occipital funciona durante processamento visual; o córtex parietal trabalha durante o sequenciamento e o córtex frontal é importante para os movimentos, atenção e monitoramento; o cerebelo está envolvido em movimentos automáticos.

Para a leitura ocorrer, é necessário a percepção visual das letras, associação aos sons adequados, acesso ao significado, programação da articulação; atenção e monitoramento durante o processo são importantes para evitar ou corrigir erros.

Com a escolarização e hábitos de leitura, este processo deve se tornar automático.

Estas áreas são menos ativadas em leitores com dislexia, quando comparados a leitores mais novos, o que indica que a dislexia não decorre de atraso na maturação das áreas descritas.

Além disso, estudos de neuroimagem em pré-escolares de risco para dislexia já apontam funcionamento diferente destas áreas cerebrais.

Existe também um componente hereditário, ou seja, crianças com familiar com dislexia devem ser cuidadosamente observadas em seu percurso escolar.

Importante lembrar que anos atrás, falava-se bem menos de dislexia, e assim não eram feitos diagnósticos.

Podemos lembrar de familiares que não gostavam de ir para escola, não finalizaram o ensino fundamental ou médio, recusaram a tentar ingresso em faculdade e não têm gosto e/ou hábitos de leitura.

Dislexia afeta a inteligência?

A dislexia só é diagnosticada em pessoas quem tem inteligência (medida de QI) dentro do esperado. pessoas com rebaixamento intelectual enfrentam dificuldades na aprendizagem, mas não somente relacionadas às habilidades de leitura e escrita.

E a nossa questão é: se a pessoa é inteligente, por que não lê bem? Esta é a discrepância vista na dislexia, pessoas inteligentes que falham em habilidades leitoras.

Sintomas da dislexia

A principal dificuldade na dislexia está na leitura. Há falhas na associação entre letras e sons, no reconhecimento da palavra escrita, na velocidade de leitura e/ou na fluência leitora.

Estas falhas variam muito entre as pessoas com dislexia.

4 perfis de dificuldades causadas pela dislexia

  • Dificuldade na alfabetização;
  • Leitura com erros;
  • Leitura sem erros mas com lentificação, silabada, com repetições e revisões constantes.
  • Alteração na fluência quase imperceptível, exigindo muito esforço nesta tarefa.

Tudo isto acaba comprometendo a interpretação de texto.

O cuidado que devemos ter é que muitas vezes, a alteração na leitura não é observada, ou porque a criança não lê em voz alta (em casa e na escola); quando lê, escolhe livros mais simples; ou se esforça tanto que quase aparece a alteração na fluência.

Só que, após aprendida, a leitura deve deixar de exigir esforço, e tornar-se automática. Somente assim, o leitor ficará livre para entender o conteúdo.

Dificuldades causadas pela dislexia de acordo com a idade

Dificuldades nas crianças

  • As crianças podem manifestar a dificuldade já no processo de alfabetização e, mesmo com ensino adequado e reforço, não conseguem concluir o processo em tempo esperado;
  • Outras crianças concluem o processo de alfabetização, mas evoluem com leitura lenta, com muito esforço, o que dificulta a compreensão do texto, devido ao tempo gasto para ler;

Dificuldades em pré-adolescentes e adolescentes

  • Alguns terão suas primeiras dificuldades na pré-adolescência ou adolescência, quando a demanda escolar torna-se maior e a leitura, mesmo aparentemente fluente, está focada na decodificação e poucos recursos são dedicados à compreensão;

Dificuldades em adultos

  • Outros notarão as características pela primeira vez na vida adulta, quando notam que o esforço e cansaço na faculdade ou no trabalho devem-se aos processos de leitura e escrita, que são árduos.

Além dos sintomas principais observados quanto à leitura, outras alterações podem fazer parte do quadro. Isso porque o circuito cerebral envolvido na leitura engloba áreas que atuam em outras habilidades também, como linguagem, atenção, memória, processamento auditivo.

Por isto, alguns sinais já podem ser observados mesmo antes do início da alfabetização.

Como saber se você tem dislexia? E o seu filho?

Sintomas de dislexia em crianças pequenas

Sinais observados em idade precoce (British Dyslexia Association):

  • Dificuldade com rimas infantis
  • Dificuldade em prestar atenção, manter-se sentado e ouvir histórias
  • Gosta de ouvir histórias, mas tem pouco interesse em letras e palavras
  • Dificuldade em aprender e recitar o alfabeto
  • Histórico de atraso no desenvolvimento da linguagem
  • Dificuldade com ritmos
  • Dificuldade em executar tarefas com mais de duas instruções
  • Esquece nomes de amigos, professor, cores, etc.
  • Dificuldade com discriminação auditiva
  • Dificuldade com tarefas envolvendo coordenação motora como corte e colagem, amarrar cadarços e fechar botões

Sintomas de dislexia em crianças em idade escolar

Sinais observados nos anos iniciais da escolarização formal (British Dyslexia Association):

  • Velocidade de processamento em linguagem escrita e/ou falada
  • Concentração pobre
  • Dificuldade em seguir instruções (por não se lembrar)
  • Dificuldade em memorizar palavras
  • Escrita com omissão ou inversão de letras
  • Confusão com letras parecidas: b/d, p/q, t/d
  • Dificuldade no uso de regras ortográficas: r/rr, m/n
  • Dificuldade em memorizar padrões ortográficos: s/ss/c/ç, /sz/, ch/x
  • Preensão diferente do lápis/caneta
  • Problemas com caligrafia
  • Leitura com erros e/ou lenta
  • Leitura com falhas na fluência
  • Não memoriza palavras frequentes e familiares: “táxi” sempre lido como “tachi”
  • Erros por não decodificar a palavra toda: “impressora” lida como “impressionado”
  • Perde-se na leitura
  • Dificuldade em compreensão de leitura devido à leitura lenta
  • Dificuldade com direita/esquerda
  • Dificuldade com números, símbolos e ordenação (alfabeto)
  • Dificuldade com conceitos temporais (ontem, amanhã)
  • Falha na organização temporal e pessoal
  • Parece excessivamente cansado
  • Evita tarefas de leitura e escrita

Sintomas de dislexia em jovens e adultos

Sinais observados nos anos mais avançados (British Dyslexia Association):

  • Dificuldade com pontuação e gramática
  • Produção escrita com trechos ideias redundantes ou sem coerência
  • Tendência a escrever muito pouco
  • Dificuldade em passar as ideias para o papel
  • Geralmente não anota a matéria e explicação do professor
  • Dificuldade para concluir tarefas no tempo estipulado
  • Leitura pode ocorrer em velocidade razoável, mas há falhas na compreensão
  • Dificuldade em identificar ideias principais nos textos lidos
  • Dificuldade em associar ideias lidas
  • Dificuldade com símbolos
  • Dificuldade para decorar tabelas e fórmulas
  • Erra exercícios aritméticos que dependem de interpretação escrita
  • Dificuldade com noções de tempo e lugar
  • Troca nomes e parece distraído

Diagnóstico da dislexia

A pessoa com dislexia já nasce com o quadro e mostrará as dificuldades no momento em que começa a se envolver com leitura e escrita.

Entretanto, outros sinais já podem ser vistos mesmos nos primeiros anos de vida (não é regra para todos).

Qual a idade para fazer o diagnóstico da dislexia?

É importante identificar precocemente os sinais e iniciar a intervenção.

Mesmo assim, deve-se ter cuidado para o diagnóstico, aguardando os anos iniciais de alfabetização, o que depende do método de ensino de cada escola.

Não podemos falar de dislexia para uma criança que começou a ser ensinada há 6 meses. E da mesma forma, não podemos ignorar se, mesmo precocemente, a alfabetização demanda muito esforço.

Como é feito o diagnóstico da dislexia?

Para o diagnóstico, é necessário a avaliação de profissionais como médico, neuropsicólogo, fonoaudiólogo e psicopedagogo.

As informações trazidas pela família e pela escola são importantes para a conclusão.

Acontecimentos familiares como mudanças (separação, nascimento de irmãos, morte de familiar), estilo de interação entre pais e filhos, uso excessivo de eletrônicos, oportunidades de socialização, dentre outros, são fatores que podem influenciar a aprendizagem da criança.

Características da escola como método de alfabetização e ensino, interação professor-aluno, experiência do professor, também são fatores que interferem no processo de desenvolvimento.

Por isso, considerar os ambientes familiar e escolar fazem parte do processo de diagnóstico.

Avaliações necessárias:

  • Fonoaudiologia: limiar auditivo e processamento auditivo, linguagem oral, vias da leitura e escrita;
  • Psicopedagogia: matemática, motricidade, vínculo com escola;
  • Neuropsicologia: QI, atenção, memória, raciocínio, aspectos emocionais e comportamentais;
  • Área médica: avaliação visual, orgânica, sinais neurológicos, alterações comportamentais.

É preciso fazer todas as avaliações de uma só vez?

O ideal é uma conversa inicial com profissional especializado e experiente na área de aprendizagem.

Como são muitas informações a serem consideradas (como idade, escolaridade, família, escola, prejuízo, dificuldades em outras áreas), o profissional deve estabelecer um caminho para avaliações e intervenções.

Por exemplo:

  • Uma criança de 7 anos, no 2º ano do ensino fundamental, com atraso na alfabetização, pode receber um período de intervenção focada neste aspecto e posteriormente ser reavaliada para analisar seu progresso.

Se a criança progrediu rapidamente e voltou a acompanhar a turma, não precisa ser avaliada por todos os profissionais naquele momento.

Outro exemplo:

  • Um pré adolescente de 12 anos, com histórico de dificuldades desde o início da escolarização, mas com prejuízos somente nesta idade, quando a demanda está maior. Além disso, apresenta queixas de atenção, memória e insegurança.

Neste caso, vale uma avaliação mais extensa, importante para hipóteses diagnósticas, mas, mais do que isso, para plano de intervenção mais adequada.

Como funciona a avaliação diagnóstica da dislexia?

A leitura e a escrita devem analisadas detalhadamente, para se estabelecer um perfil destas habilidades:

  • Existem erros na leitura e na escrita? Quais os tipos de erros?
  • Qual é o tempo dispensado para leitura?
  • Compreende o que leu?
  • Que tipo de palavras escritas são compreendidas?
  • Que tipo de questões são respondidas adequadamente?

Fatores individuais devem ser investigados, pois podem estar associados ao quadro:

  • Dados clínicos de saúde desde a gestação
  • Limiar e processamento auditivo
  • Visão e processamento visual
  • Habilidades fonológicas, semânticas, sintáticas e pragmáticas (linguagem oral)
  • Habilidades cognitivas como atenção, memórias, habilidades visuoconstrutivas, funções executivas
  • Habilidades motoras
  • Aspectos emocionais

Características ambientais também são analisadas como:

  • Estimulação em casa
  • Qualidade da interação e hábitos de leitura e escrita
  • Método de alfabetização
  • Estilo de ensino da escola
  • Evolução da criança na escola

As características principais da dislexia são as dificuldades em leitura e escrita, em pessoas com inteligência e capacidades sensoriais preservadas, em condições familiares e de ensino favoráveis à aprendizagem.

Entretanto, o quadro pode não ser facilmente diagnosticado.

Dois aspectos que tornam o diagnóstico complexo:

A quantidade de fatores que devem ser considerados:

  1. Uma criança pode apresentar dificuldade em várias áreas no momento inicial da avaliação.

Por exemplo, com um adolescente com queixas iniciais de interpretação de texto no final do ensino fundamental, vivendo em condições familiares conflituosas e com sofrimento emocional, pode-se pensar na dificuldade escolar decorrente dos problemas emocionais ou como parte da dislexia.

Apenas com intervenção e observação, poderemos detectar se as dificuldades são decorrentes da dislexia ou associadas aos conflitos.

  1. O quadro pode existir com comorbidades:

O indivíduo apresenta dislexia pode ter também outros diagnósticos como TDAH, Discalculia, Ansiedade, dentre outros.

É um erro comum apontar, em uma criança de escola pública e ambientes familiares desestruturados, que a causa da dificuldade é sempre o ambiente.

Da mesma forma, com crianças de níveis socioeconômicos mais favorecidos, não se pode desconsiderar a avaliação do ambiente familiar e da escola. Tais pressupostos podem conduzir a diagnósticos e tratamentos errados.

Dislexia tem cura? E tratamento?

A dislexia não tem cura. Dizemos que as dificuldades são persistentes, ou seja, os sintomas são crônicos e permanecem a vida toda, sem cura.

Entretanto, o tratamento proporciona melhora na habilidade de leitura e o indivíduo tratado adequadamente leva uma vida normal.

A pessoa com dislexia não fará tratamento para sempre. E, quando avaliada corretamente, não o fará por anos sem fim, para trabalhar as mesmas habilidades.

Como é feito o tratamento da dislexia?

Como a leitura depende de várias habilidades, deve ser bem analisada para fazermos o plano terapêutico.

O melhor plano de intervenção origina-se de uma avaliação detalhada, onde a equipe estipula os objetivos, metas e o passo-a-passo da reabilitação.

Neste modelo de intervenção, as habilidades preservadas são consideradas e potencializadas, servindo como recursos para o trabalho envolvendo as dificuldades. Por isto, o plano é individual e nem sempre os passos são os mesmos realizados por outro indivíduo.

A literatura traz estudos comprovando a eficácia de programas, principalmente voltado a estimulação do processamento fonológico (trabalho com os sons da fala – os mesmos associados às letras); treinamento auditivo, treino de memória, treino de funções executivas.

Utilizamos os treinos (computadorizados e/ou com lápis/papel), jogos, brincadeiras e muita explicação para a pessoa com dislexia sobre os objetivos da terapia, os resultados almejados e como pode contornar suas dificuldades.

Acredite, mesmo crianças mais novas entendem e ficam motivadas com esta conversa.

A parceria com a escola é fundamental

Com o perfil de aprendizagem da pessoa da dislexia, a equipe e a escola elaboram estratégias e adaptações para que o aluno aprenda os conteúdos da melhor forma e seja avaliado adequadamente.

Não há protocolos fechados para mudanças na escola.

A primeira coisa é entender se a escola aceita e está dentro de seus objetivos a recepção e inclusão de um aluno com dislexia. Depois entender como são as aulas e as avaliações e discutir a melhor forma para o aluno aprender e ser avaliado justamente.

Respostas para perguntas frequentes

O que é dislexia?

Dislexia é um transtorno do neurodesenvolvimento, que afeta o desenvolvimento da leitura e da escrita, em pessoas com inteligência preservada, sem perdas auditivas e visuais. Os sinais aparecem desde o período da alfabetização e o diagnóstico é realizado após um tempo de escolarização. Entretanto, sintomas podem ser observados já na educação infantil. A falta de intervenção adequada pode levar a desinteresse pela leitura, ansiedade, insegurança e sofrimento na escola e trabalho.

Como é uma pessoa que tem dislexia?

As dificuldades na dislexia aparecem na fase de alfabetização, onde a criança pode demorar a a aprender a ler e a escrever. Embora o diagnóstico seja feito após um tempo de escolarização, sinais como atraso de fala, trocas na fala, dificuldades com rimas e de memória, falhas atencionais, podem ser observados já na educação infantil. Em casos muitos leves, às vezes o quadro é detectado mais tardiamente quando as matérias ficam mais complexas e exige mais leitura, estudo e interpretação.

Como saber se você tem dislexia?

A pessoa com dislexia tem este transtorno já ao nascer, mas as principais dificuldades só serão identificadas após o inicio da alfabetização. As causas são alterações no funcionamento cerebral em áreas que processam a leitura e a escrita. Para saber se você tem dislexia, é preciso a avaliação de vários profissionais. O ideal é conversar com especialista em aprendizagem para traçar o passo a passo das avaliações.

Quais são os tipos de dislexia?

Durante a leitura, circuitos envolvendo várias áreas cerebrais são ativados. Dependendo das áreas atingidas, pessoas com dislexia fonológica apresentam mais erros como trocas f/v, p/b, t/d, falhas no processamento auditivo, memória verbal; pessoas com dislexia visual têm mais erros ortográficos (regras, s/ss/z), omissão de palavras e linhas, falhas atencionais. Características dos dois tipos podem ser apresentadas pela mesma pessoa.

Fontes:

British Dyslexia Association

Associação Brasileira de Dislexia

International Dyslexia Association

Associação Nacional de Dislexia

Instituto ABCD

Luciene Stivanin

Fonoaudióloga
CRFa 2-14385

• Fonoaudióloga USP
• Doutorado em Ciências da Reabilitação USP
• Pós Doutorado na área de Fonoaudiologia Educacional USP
• Atuação em linguagem, aprendizagem e cognição

Compartilhe

WhatsApp
Facebook
LinkedIn
E-mail
IMprimir

Utilizamos cookies para melhorar sua experiência em nosso site. Veja nossa política de privacidade e termos de uso.