Dificuldade na escrita: como identificar e o que fazer?

garoto com dificuldade na escrita e com o rosto triste

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Antes de falarmos sobre dificuldade na escrita, precisamos entender o que é a escrita.

A escrita é um processo: no início, a criança não distingue uns simples rabiscos da escrita propriamente dita, mas com o passar do tempo, ela vai entendendo a relação entre letra e som, para formar as palavras.

Podemos observar, de acordo com Emília Ferreiro, 04 hipóteses de escrita:

  1. Pré-Silábica: quando a criança ainda não compreende a relação entre letra e som. Ela pode usar letras aleatórias para escrever as palavras. Exemplo: escreve GRTREA para pato.
  2. Silábica: a criança já começa a entender a relação entre letra e som. Ela escreve uma letra representante das sílabas, na maioria das vezes, as vogais. Exemplo: escreve A O para pato.
  3. Silábico-alfabética: a criança está entre a fase silábica e a escrita alfabética. Pode omitir algumas letras da palavra. Exemplo: escreve CZA para casa, BAIGA para barriga.
  4. Alfabética: a criança entende completamente a relação entre letra e som e escreve todas as letras da palavra, embora possam ser observados erros ortográficos. Exemplo: escreve CAZA para casa, BARIGA para barriga.

Sob o aspecto motor, para que a escrita aconteça de forma correta e harmoniosa, é necessário o desenvolvimento de algumas habilidades motoras.

A coordenação motora fina é a responsável por essa habilidade. Ela vai garantir o traçado e a tonicidade adequados para a escrita.

A criança deverá, primeiramente, vivenciar os movimentos com o corpo, com o auxílio da intervenção correta, para depois realizar registros em forma de desenho ou escrita, com a finalidade de estimular a “pega” correta do riscador (movimento de pinça). Assim sendo poderemos garantir uma melhora em seu traçado tanto na escrita, como também em seus registros gráficos, de forma correta, harmoniosa e com o tônus adequado.

Dos dois até os quatro anos de idade, podemos observar características do desenvolvimento psicomotor importantes para a realização de uma boa escrita.

  • Aos dois anos: vira a folha uma a uma, consegue imitar o risco vertical e circular, constrói torre com seis ou sete cubos, alinha objetos, identifica três a cinco figuras, consegue usar adequadamente brinquedos de encaixe, chuta a bola e corre bem.
  • Aos três anos: lava e enxuga as mãos, alimenta-se utilizando uma colher, interesse na rotina da casa, compreende exigências sociais, reconhece o outro, sabe esperar sua vez, já domina os conceitos de andar, correr, desviar, arremeter e virar. Segura melhor o lápis, copia um círculo, imita ponte, posicione encaixes coloridos nas cores respectivas, consegue inverter objetos para que se encaixem aos moldes, imita a cruz, mantém-se num pé só.
  • Aos quatro e cinco anos: descobre a ordem cronológica, conta histórias, pula num pé só, consegue veste-se e calça sapatos sem ajuda, possui noção de fila.

Podemos dizer que a produção textual é o último estágio do desenvolvimento da escrita.

Antes disso, de modo geral, o aluno já aprendeu a linguagem, a coordenação motora fina, leitura e escrita de palavras e frases, sobre parágrafos em textos curtos.

Garantido um aprendizado eficiente dessas e outras habilidades/aprendizagens, o aluno caminha para a produção textual, a partir do conceito de redação: começo, meio e fim, com uso correto da pontuação, além de coerência e coesão sobre o tema escolhido.

Na correção, este professor preocupa-se mais com todas essas regras aplicadas, ou seja, com a técnica, do que com as ideias propriamente ditas.

A partir daí, o aluno progride para a produção textual, que além da técnica, envolve o aprendizado de mais elementos, como por exemplo, os gêneros literários e assim a integração de mais habilidades cognitivas.

Por esse motivo, podemos afirmar que a produção textual é uma das formas eficientes de trabalhar as habilidades cognitivas mais complexas, pois estas incluem produzir significado no ato da escrita de forma competente, pensar em ideias, selecionar e organizá-las, criar frases e estruturá-las para produzir um bom texto.

Portanto, a aprendizagem da escrita em sua completude, da linguagem até a produção textual, envolve um complexo processo de aquisição de habilidades, onde as etapas do processo são interdependentes, sendo que uma impacta positiva ou negativamente a outra de acordo com as situações de escrita.


Habilidades importantes para o desenvolvimento da escrita

São extremamente importantes para o desenvolvimento da escrita as habilidades cognitivo-linguísticas e motoras.

Linguístico-cognitivas:

  1. Aprender a diferença entre nome da letra e som que a representa. A letra F chama-se /EFE/ e o som que a representa é o /f…../ como se estivesse assoprando uma vela.
  2. Ouvir e discriminar a diferença entre os sons faz com que a criança atribua o som correto à letra. Por exemplo, os sons tem diferenças como: /p/ não tem vibração de pregas vocais (que ficam na garganta e vibram quando o ar passa para produzir a voz) e /b/ tem vibração; /f/ é um longo, ouve por um tempo maior que o som /p/. Discriminar os sons e ter esses sons bem organizados na mente favorece a associação com as letras;
  3. Aprender e automatizar as relações entre sons e as letras;
  4. Conseguir manter a sequência dos sons permite a escrita na ordem correta e sem omissões: <pra> ao invés de <par>, <elefante> ao invés de <efate>, <árvore> ao invés de <avore>.
  5. O entendimento de que alguns sons podem ser representados por mais de uma letra, como o som /s/, que pode ser escrito com <s> sapo, <c> cesta, <x> máximo, o que chamamos de princípio ortográfico.
  6. Com o hábito e treino de leitura e escrita, forma-se o registro correto das palavras escritas em uma “caixinha” que chamamos de memória ortográfica; isso faz com que o escritor acesse e use palavras de forma correta e mais rápida.
  7. Capacidade de manter a atenção, memorizar, controlar estímulos que distraem são habilidades cognitivas que podem favorecer ou prejudicar este desenvolvimento.

Motoras:

Segundo Le Boulch(1982):

” ….a coordenação visório manual e o aperfeiçoamento da motricidade fina da mão e dos dedos se dá a partir da organização das reações combinadas dos olhos e da mão dominante. Ela começa no primeiro ano e só se completa no final da escolaridade primária. No período pré-escolar, o desenvolvimento global desta forma de coordenação far-se-á durante as atividades práticas escolhidas para desenvolver a destreza e a coordenação fina; por meio da prática de expressão gráfica e do desenho, desenvolve-se, ao mesmo tempo, a função simbólica.”


Dificuldades e transtornos – disortografia e disgrafia

As dificuldades de escrita podem ocorrer por diversos motivos, como:

  • Ambientais, relacionados ao método de alfabetização, grau de incentivo e estimulação para a leitura e escrita;
  • Como consequências de dificuldades e ou transtornos que prejudicam o desenvolvimento, como a Deficiência Intelectual, a Paralisia cerebral, traumatismos cranianos, etc.
  • Características centrais de transtornos, no caso o Transtorno Específico de Aprendizagem.

O Transtorno Específico de Aprendizagem pertence ao grupo de Transtornos do Neurodesenvolvimento. Segundo o Manual de Doenças Mentais (DSM-V), é um termo amplo que caracteriza dificuldades persistentes na aquisição e desenvolvimento das habilidades acadêmicas relacionadas à leitura, escrita e matemática, em pessoas sem déficits intelectual e sensoriais. Especificamente quanto à escrita, é também conhecido como DISORTOGRAFIA e inclui dificuldades relacionadas à ortografia, gramática e redação.

Geralmente, as dificuldades na escrita aparecem associadas aos quadros de transtorno específico de aprendizagem da leitura, ou dislexia, quase nunca aparecendo sozinha.

Na experiência clínica, as queixas muito comuns de erros na escrita podem ser parte de um quadro mais amplo que acomete a leitura também, cuja dificuldade nem sempre é identificada facilmente pelo professor.

Sinais de dificuldade na escrita relacionados à linguagem:

Na ortografia:

  • Erros de confusão entre sons: pato/bato, foca/voca, gato/cato, dente/tente, relógio/relóxio, mesa/messa;
  • Erros de confusão visual: queijo/pueijo, doce/boce, mola/nola, jato/iato;
  • Erros de sequência: prato/parto,
  • Erros de omissão: porta/pota, escova/ecova, fanta/fata, tomate/tomte, cavalo/cala;
  • Erros de regras: queijo/ceijo, carro/caro, pomba/poba;
  • Erros de irregularidades: horta/orta, casa/caza, gelo/jelo;
  • Erros de aglutinação: de repente/ derepente, o doce/ odoce, enquanto/ em quanto

Na produção textual:

  • Uso das convenções textuais: letra maiúscula, pontuação, parágrafos;
  • Elaboração da linguagem: frases curtas, uso restrito de conjunções (usa mais o “e” para ligar as ideias) e advérbios (novamente, à tarde, etc), repetição de ideias, falta de ligação entre as ideias;
  • Consciência metatextual: elaboração de acordo com tipo de texto – história, descrição, argumentativo;
  • Funções executivas: planejamento, elaboração, revisão.

Outro tipo de transtorno relacionado à escrita é a DISGRAFIA.

A disgrafia é um transtorno da escrita, de origem funcional, que diz respeito a uma deficiência na motricidade, especificamente no desenvolvimento da coordenação motora fina e organização espacial.

Suas principais características são a dificuldade da realização de uma escrita de forma legível e problemas relacionados à ortografia.

Podem ser observadas as seguintes características relacionadas às habilidades psicomotoras:

  • Escrita lenta e ilegível
  • Dificuldades de percepção de noção do esquema corporal
  • Dificuldade com organização
  • Dificuldade com noção espacial e temporal
  • Dor na mão ao escrever
  • Escrita de texto curto
  • Dificuldade no uso do papel
  • Dificuldade para abotoar as roupas
  • Dificuldade para amarrar o cadarço.

Dificuldade na escrita: o que fazer?

Saiba como é feito o diagnóstico e como é tratamento para as dificuldades de escrita.

O tratamento adequado só pode ser planejado após uma avaliação bem feita, onde se identificam:

  • Quais as características da escrita: tipos de erros, velocidade de escrita;
  • Quais os componentes pertencentes ao quadro: habilidades cognitivas, sensoriais, motoras, linguísticas;
  • Quais as causas: ambientais, genéticas, transtornos específicos.

A avaliação nas áreas de fonoaudiologia, psicopedagogia, psicomotricidade e médica traz informações para respondermos aos questionamentos.

Em muitos casos, é necessária uma intervenção e observação da evolução para depois fecharmos o diagnóstico.

Nem sempre todas as avaliações precisam ser realizadas em um primeiro momento. O profissional experiente na área consegue identificar os tipos de avaliação inicial.

Há programas com resultados comprovados para estimular o desenvolvimento da escrita, eliminando os erros e tornando-a mais fluente:

  1. Treinamento auditivo: quando há alteração na habilidade auditiva em pacientes com erros de escrita, é necessário o treinamento para que a pessoa ouça melhor os sons, consiga diferenciá-los (como /p/ e /b/) e assim usá-los adequadamente na escrita. muitas trocas na escrita podem estar associadas a déficits de processamento auditivo como:
    • Trocas entre /p/ e /b/, /f/ e /v/
    • Erros de acentuação porque não escuta bem a sílaba tônica.
  2. Programas de intervenção fonológica: visam à estimulação da consciência fonológica (capacidade de identificar, refletir e manipular os pedaços das palavras, sejam eles sílabas ou sons)  e da aquisição do princípio alfabético (correspondência letra-som). são feitos jogos e exercícios para que a pessoa memorize a letra de cada som.
  3. Programas com foco na ortografia: visam à aquisição da ortografia correta das palavras e, consequentemente, à eliminação dos erros de escrita, que podem ser divididos em 2 grupos:
    • Erros de ortografia natural: relacionados à conversão do som para a letra (adição, omissão, inversão, substituição de letras)
    • Erros de ortografia arbitrária: relacionados às regras ortográficas (M antes de P e B, acentuação, etc) e às irregularidades da língua/memória ortográfica (gelo x jelo, casa x caza, horta x orta). Nestas terapias, não são realizados simples exercícios de ortografia. É trabalhado com o paciente o entendimento das relações entre sons e letras, a construção conjunta das regras, técnicas de memorização e só depois vêm os exercícios para treinamento e automatização.
  4. Trabalho na psicomotricidade: a disgrafia pode ser tratada com estimulação através de atividades psicomotoras que envolvem desde a postura correta na forma de sentar-se para escrever como também exercícios de coordenação motora fina e organização espacial.
  5. Programa de produção textual: lembrando que tanto a ortografia quanto os movimentos são importantes para uma produção textual fluente, ou seja, que o escritor possa usar toda sua atenção para organizar o conteúdo. este programa pode ter como objetivos:
    • Ensino das convenções textuais
    • Ensino da sequência das informações de acordo com o tipo de texto
    • Estimulação da formação das frases e dos parágrafos
    • Estimulação do planejamento, passo a passo, revisão

Em alguns casos, é necessário também acrescentar uma intervenção em linguagem oral quando o paciente tem vocabulário mais restrito, dificuldade para lembrar as palavras, fala mais simplificada, o trabalho com linguagem oral vai refletir na produção da escrita.


Atividades para estimular a escrita

Os estudos baseados em neurociências apontam que o ensino da escrita deve ser explícito, ou seja, o professor precisa ensinar ao seu aluno que as letras têm nomes e têm sons correspondentes – chamamos de princípio alfabético.

E em um momento seguinte, precisa ensinar que há múltiplas relações entre letras e sons, ou seja, há sons que podem ser representados por mais de uma letra.

Na educação infantil, muitas habilidades são estimuladas como o processamento auditivo e visual, o vocabulário, a motricidade grossa e fina, e a consciência que o material escrito é um meio de comunicação.

Nos anos iniciais do ensino fundamental, o ensino explícito das relações entre sons e letras proporciona o registro das palavras na memória e a velocidade de escrita, para que logo a escrita não seja um esforço mas sim fluente e possibilitando a organização das ideias nas respostas e produções textuais.

Sugestões de atividades

Existem diversas atividades que possibilitam e estimulam o desenvolvimento da escrita, que podem ser feitas em casa e na escola.

Linguagem:

  1. Mostrar livros para as crianças desde cedo;
  2. Ao ler para a criança, estimular que acompanhe com os olhos e dedos;
  3. Mostrar palavras escritas na rua e nos locais e ler para elas;
  4. Mostrar as palavras escritas nas embalagens de produtos consumidos pela família;
  5. Pedir ajuda para escrever a lista de compras;
  6. Estimular escrita de roteiro de viagem;
  7. Estimular a criança a escrever uma frase que resuma seu dia ou um momento especial no final de semana;
  8. Estimular a criança a escrever lembretes/bilhetes para seus compromissos escolares.

Para a coordenação motora fina, podemos destacar:

  1. Fazer bolinhas de papel;
  2. Brincar com massinha;
  3. Uso de pregadores;
  4. Abrir e fechar botões;
  5. Rasgar papéis, revistas com os dedos;
  6. Uso de uma pinça;
  7. Coletar grãos;
  8. Pintura com os dedos e com uso do pincel;
  9. Alinhavo;
  10. Amarrar os cadarços dos calçados;
  11. Uso de conta gotas.

Perguntas Frequentes

Quais são as dificuldades na escrita?

As dificuldades podem ser motoras, causando letra ilegível e desorganizada; e linguísticas, como  troca de letras, omissão ou acréscimo de letras, junção duas palavras, letra maiúscula, acentuação, pontuação, produção de texto. 

O que causa dificuldade para escrever?

Falta de estímulo da leitura, dificuldade com o método de alfabetização, transtornos que afetam o desenvolvimento (deficiência intelectual, paralisia cerebral), Transtorno Específico de Aprendizagem: Disortografia e Disgrafia (transtorno motor).

O que é distorgrafia e disgrafia?

Disortografia é um transtorno do neurodesenvolvimento que causa dificuldades relacionadas à ortografia, gramática e redação. Disgrafia é um transtorno motor que causa dificuldades na coordenação motora fina e organização espacial.


Leia mais sobre o assunto:

Referências:

  • AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION – APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM–5. Porto Alegre: Artmed, 2014.
  • Sargiani R. Alfabetização baseada em evidências – da ciência à sala de aula. Porto Alegre:Penso, 2022.
  • Geraldo Peçanha de Almeida,Teoria e prática em Psicomotricidade, RJ 2014
  • Cacilda Gonçalves Velasco,Glossário Psicomotor.
  • Vítor da Fonseca,Terapia Psicomotora,   RJ, 2008
  • GUEDES, P. C. Da Redação à produção Textual: o ensino da escrita. São Paulo: Parábola, 2009.
  • FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
  • FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.
  • MEDEIROS, Mylena. Distúrbios da Aprendizagem, Rio de Janeiro, Revinter, 2003.

Luciene Stivanin

Fonoaudióloga
CRFa 2-14385

• Fonoaudióloga USP
• Doutorado em Ciências da Reabilitação USP
• Pós Doutorado na área de Fonoaudiologia Educacional USP
• Atuação em linguagem, aprendizagem e cognição

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