O que é o Transtorno do Processamento Auditivo Central

Tópicos

Seu filho(a) compreende bem e realiza as ordens que lhes são atribuídas?

Seu filho(a) pede para repetir as informações? Seu filho(a) é desatento?

Seu filho tem dificuldade de compreender fala com outros estímulos competitivos (muitas pessoas falando ou mesmo tempo ou ruído)?

Talvez você precise saber mais sobre o Processamento Auditivo.

Muitas vezes, essa acaba sendo uma queixa de educadores, psicopedagogos e médicos, que encaminham a criança para a realização do exame de processamento auditivo, mas fica aquela dúvida, afinal, o que é o Processamento Auditivo?

O que é o processamento auditivo central?

O Processamento Auditivo é fundamental para entendermos o que estamos ouvindo: o bebê precisa perceber a diferença entre os sons, a criança identificar o que a professora fala e o adulto interpretar uma conversa.

Quando o local não está calmo e quieto, a pessoa precisa ignorar o ruído e perceber somente o que é importante. Então, processamento auditivo é mais do que ouvir. É ouvir e trabalhar com os sons!

Antes de realizar o exame de processamento auditivo, precisamos garantir uma boa audição. Por isso, fazer os testes de audiometria e imitanciometria antes, para ter certeza de que o som está passando e é ouvido na intensidade certa.

A audiometria e a imitanciometria verificam se a via auditiva periférica está íntegra (caminho que o som percorre desde a orelha até chegar ao cérebro). É o teste feito em cabine, onde a pessoa ouve sons e deve responder quando ouve.

Já o exame de processamento auditivo avalia as vias que o som percorre pelo sistema nervoso central. Também é feito em cabine, mas com tarefas envolvendo sons.

Anatomia da Orelha (Imagem adaptada Grath, 2019). – ResearchGate

Nesta imagem, vemos que o som entra pelo pavilhão auricular, segue pelo meato acústico, passa pelos ossículos e cóclea (audição periférica – avaliada pela audiometria). Posteriormente, segue pelo nervo auditivo e estruturas centrais (direcionamentos em azul e vermelho) até chegar no córtex auditivo.

Habilidades ou funções auditivas

No exame de Processamento Auditivo, avaliamos habilidades auditivas importantes para que a informação seja totalmente compreendida:

  • Fechamento Auditivo: capacidade de resgatar as informações auditivas mesmo quando as partes foram omitidas. Por exemplo, em um restaurante barulhento, o garçom ouve claramente apenas parte do pedido feito pelo cliente, mas consegue chegar ao resultado final, porque juntou partes do que ouviu. Ou uma pessoa em uma ligação com sinal ruim, consegue com seus conhecimentos, entender o que dizem do outro lado da linha.

Figura Fundo para sons linguísticos e não linguísticos: refere-se à percepção de estímulos de fala ou sons ambientais, quando há outros estímulos de fala ou sons ambientais de fundo. Por exemplo, focar em uma conversa enquanto outras pessoas estão conversando sobre outros assuntos, ou na explicação da professora em um sala barulhenta. No teste, avalia-se duas etapas de Integração e Separação Binaural;

  1. Integração: Mecanismo que refere se a repetição dos estímulos apresentados nas duas orelhas (atenção livre). Ou seja, ouve-se dois números apresentados à orelha direita e dois à esquerda, devendo ser repetidos.
  2. Separação: Mecanismo que refere se a repetição do estímulo de apenas uma orelha (atenção direcionada). Ocorre o mesmo processo acima, devendo ser repetidos os sons apenas de uma das orelhas.

Processamento Temporal: refere se à percepção ou mudanças do som em um domínio específico ao longo do tempo. Ao ouvir uma palavra, existe uma sequência de sons diferentes que devem ser detectados em ordem e discriminados. Por isto, esta habilidade está relacionada à percepção de fala e de música. No teste, são avaliadas:

  1. Ordenação Temporal: Refere se à ordem de dois ou mais estímulos auditivos de ocorrência no tempo. Por exemplo, ouve-se a sequência de sons “agudo – agudo – grave” ou “curto – longo – curto” e o paciente deve repeti-los na ordem e/ou nomear suas características.
  2. Resolução Temporal: Refere se a pequenas variações no tempo para discriminar dois estímulos auditivos. Ouve-se uma sequência de sons, com diferentes intervalos entre eles, e o paciente deve identificar cada som ouvido.

Interação Binaural: Refere se ao mecanismo que depende da comparação do sinal de entrada nas duas orelhas, o que permite sabermos de que direção vem o som.

Transtorno do processamento auditivo central

O Transtorno do Processamento auditivo ocorre quando são identificadas habilidades auditivas alteradas.

O quadro é heterogêneo, ou seja, pode ser manifestado de várias formas. As manifestações são de origem sensorial – via da informação que vai da orelha ao cérebro, ou top-down – via da informação que diz respeito ao córtex auditivo – mecanismos de memória, atenção, cognição e linguagem (Chermak et al., 2017).

Para quem é indicada a avaliação?

  • Indivíduos com audição normal MAS com queixas auditivas, principalmente em ambientes de escuta desfavorável;
  • Indivíduos com dificuldades de linguagem;
  • Pessoas com dificuldades de leitura, escrita e aprendizagem;
  • Indivíduos que após sofrerem AVC ou traumatismo craniano apresentarem queixas auditivas;
  • Indivíduos que não se adaptam ao uso de aparelho auditivo.

Sinais de alterações

  • Dificuldade de compreensão de linguagem em ambiente desfavorável (sala de aula, ruído, ambientes reverberantes);
  • Dificuldades para compreender quando a fala é apresentada de forma muito rápida;
  • Dificuldade de localização sonora e seguir direções;
  • Respostas inconsistentes ou inapropriadas em relação à mensagem;
  • Solicitação para repetir a mensagem frequentemente;
  • Dificuldades para perceber pistas prosódicas;
  • Dificuldades para escutar ao telefone;
  • Dificuldades para seguir ordens complexas;
  • Dificuldades nas habilidades musicais e aprender canções;
  • Dificuldades para aprender língua estrangeira;
  • Adultos buscam empregos que não lidam com o público;
  • Dificuldades acadêmicas: leitura e escrita e dificuldades de aprendizagem;
  • Tendência ao isolamento por dificuldade na interação;
  • tendência à agitação pela sobrecarga no sistema auditivo.

Qual a melhor idade para realizar o exame de processamento auditivo?

O exame é realizado em crianças a partir de 7 anos de idade, pois as habilidades auditivas não estão prontas e disponíveis antes desta idade.

Elas vão se desenvolvendo, dependendo da integridade da via auditiva e dos estímulos sonoros aos quais a criança é exposta.

Conforme os anos vão passando, mais conexões sinápticas ocorrem entre os neurônios, o que leva a uma maior maturação do sistema e melhores condições para a avaliação.

Como é feito o exame de processamento auditivo central

O exame de processamento dura em média 1h30 e as habilidades auditivas são avaliadas, dentro de uma cabine acústica.

De acordo com o resultado, a criança será encaminhada para realização de Treinamento Auditivo Acusticamente Controlado (TAAC).

Este consiste em sessões de terapia audiológica semanais com o objetivo de melhorar o desempenho das habilidades auditivas até que as dificuldades encontradas na avaliação sejam superadas. Além disso, orientações para a escola devem ser feitas, no sentido de permitir ao aluno melhor recepção dos sons.

Se o resultado da avaliação for dentro do esperado, outros encaminhamentos pertinentes poderão ser realizados considerando cada caso necessidade.

Habilidades de atenção, memória e linguagem são imprescindíveis para o processamento auditivo. É papel do avaliador diminuir qualquer interferência negativa desses aspectos no momento da avaliação, para que os mecanismos bottom up sejam avaliados precisamente (utilizar “puramente” a informação de entrada na via auditiva para compreender a mensagem).

Veja como quadros de alterações comportamentais podem trazer comprometimento no processamento auditivo.

Processamento auditivo, alfabetização e leitura e escrita

O sistema de escrita da nossa língua é alfabético. Isto quer dizer que para cada letra do alfabeto existe um som ou mais sons da fala.

Para aprender a ler e escrever, a criança tem que aprender o nome das letras, entender que a fala pode ser dividida em partes menores como sílabas e sons, relacionar letras e sons, e automatizar este processo.

Cada som da fala tem suas características. Por exemplo:

  • O som referente à letra F é longo;
  • Referente à letra P é curto;
  • Referente à letra D tem maior vibração de pregas vocais e à letra T menor.

Durante o desenvolvimento, a criança aprende os sons da sua língua materna: passa a perceber as características de cada um e diferenciá-los, cria representações mentais sobre eles e os usa para cada letra quando começa a ser alfabetizada.

A criança também precisa ouvir e identificar as sílabas fortes de uma palavra ouvida; importante para ler com entonação e aprender as regras de acentuação e pontuação. Identificar as sílabas ou palavras fortes também permite à pessoa entender frases com ironia, seja ouvindo ou lendo.

Nos testes de processamento auditivo, pode-se observar uma associação entre dificuldades de aprendizagem e alterações no desenvolvimento das habilidades auditivas, pois muitas pessoas com dificuldades de leitura também apresenta desempenho prejudicado nas tarefas de habilidades auditivas.

As crianças que se queixam de dificuldades acadêmicas geralmente apresentam piores resultados nas avaliações do processamento auditivo.

Em alguns estudos nessa área, as habilidades auditivas mais alteradas em pessoas com dificuldades de aprendizagem são a ordenação temporal e a resolução temporal. Os aspectos temporais da escuta são conhecidos por serem críticos para a compreensão da fala e da linguagem, e seus déficits podem refletir dificuldades de ortografia e codificação e/ou decodificação, tanto de palavras quanto de frases. Além disso, outros estudos também demonstraram alterações nas habilidades auditivas de figura-fundo para sons verbais e fechamento auditivo.

O treinamento auditivo é efetivo para a melhora no desempenho das habilidades auditivas, com influência nas tarefas de leitura. (Souza, Cintia Alves de et al., 2020)

A integridade auditiva, tanto periférica quanto central, é essencial para o desenvolvimento da linguagem e da alfabetização. Questões sobre o processamento temporal podem trazer informações interessantes acerca do processamento fonológico e predizer algumas dificuldades em leitura e/ou escrita.

Diminuir os atrasos ocasionados pela alteração das habilidades auditivas antes da alfabetização é uma forma de intervenção rápida e eficaz, que evita o agravamento das dificuldades nos primeiros anos escolares, que podem desencadear prejuízos para a autoestima e na motivação para a aprendizagem, tão desafiador para as crianças, cuidadores e profissionais da educação.

Como um professor pode perceber sinais de alteração

1. Sinais de alteração podem aparecer no comportamento em sala de aula:

Em uma sala de aula, a criança precisa manter o foco na fala do professor para seguir as regras e orientações e entender a explicação. Quando o aluno não processa adequadamente a fala do professor e/ou não consegue ignorar o ruído do ambiente, pode apresentar comportamentos como:

  • Falta de atenção
  • Distração
  • Hiperatividade
  • Fadiga e cansaço
  • Impulsividade
  • Interrupções contínuas
  • Dificuldade para entender a explicação
  • Necessidade de repetição da instrução
  • Produção de respostas inadequadas

2. Também podem aparecer nas dificuldades pedagógicas:

  • Atraso na alfabetização, com dificuldade para lembrar o som de cada letra;
  • Confusão entre letras com sons parecidos;
  • Leitura sem entonação, com desrespeito à regra de acentuação e/ou negligência da sílaba tônica;
  • Dificuldade de interpretação de texto;
  • Na escrita, trocas entre letras que representam sons parecidos como f/v, p/b, t/d, k/g, a/e.

Como tratar distúrbio de processamento auditivo?

Se forem constatadas ao menos duas habilidades auditivas, como preconiza a ASHA (American Speech and Hearing Association) deve ser feito o treinamento auditivo.

As sessões podem ser ou não em cabine acústica (se a criança já realiza sessões de terapia fonoaudiológica, essas habilidades alteradas podem ser trabalhadas nas sessões).

No entanto, o Treinamento Auditivo Acusticamente Controlado (TAAC) [em cabine] apresenta benefícios, pois a sessão será totalmente destinada a melhora das habilidades auditivas, bem como a intensidade de saída (em dB) do estímulo acústico será controlada, o que é importante pois geralmente há assimetria entre as orelhas.

É importante ressaltar que a sessão dura em torno de 45 minutos, e metade dela é feita em cabine acústica e metade com softwares, sempre mantendo o interesse e engajamento do paciente, com atividades e/ou jogos do interesse dele(a).

Após as sessões de treinamento auditivo, o PAC deve ser reavaliado para verificar se as habilidades auditivas alteradas se normalizaram.

Mitos e verdades sobre processamento auditivo

1. É possível realizar a avaliação do processamento auditivo em crianças abaixo de sete anos como forma de intervenção precoce?

MITO: Mesmo que exista viabilidade e bons resultados para a estimulação precoce, em relação às vias auditivas centrais devemos esperar seu processo de maturação, que pode demorar até doze anos para se assemelhar ao adulto. Os guidelines internacionais sobre PAC citam a idade mínima de sete anos, devido à grande variabilidade de resposta que pode ser encontrada em crianças com idade inferior.

2. Memória e atenção são habilidades auditivas e os testes de processamento auditivo avaliam essas habilidades?

MITO: Memória e atenção são habilidades cognitivas e podem influenciar as respostas obtidas na avaliação do processamento auditivo, por tratar-se de uma avaliação comportamental das vias auditivas centrais. Pessoas muito atentas e com boas habilidades de memória podem mascarar asa dificuldades auditivas; da mesma forma, dificuldades atencionais podem atrapalhar a realização do teste.

3. As dificuldades nas habilidades auditivas podem ser totalmente eliminadas?

VERDADE: Em geral, o processamento auditivo se difere da audição, justamente porque a audição se desenvolve plenamente intrautero, enquanto as habilidades auditivas dependem das experiências auditivas e maturação das vias auditivas centrais. Com o tratamento adequado, é possível sanar as dificuldades referentes às habilidades auditivas.

4. Crianças que apresentam o transtorno do processamento auditivo podem apresentar dificuldades em sala de aula?

VERDADE: Uma das queixas mais encontradas em indivíduos que apresentam o transtorno do processamento auditivo é a dificuldade de concentração em ambiente ruidoso. A sala de aula é um ambiente potencializador desse sintoma, por gerar muito barulho e apresentar estrutura (paredes) feitas com material reverberante, piorando aspectos de compreensão de fala.

5. Após o treinamento auditivo, meu filho vai sanar suas dificuldades de leitura e escrita?

MITO:O treinamento auditivo é parte do tratamento para as dificuldades de leitura e escrita e potencializa os resultados daqueles pacientes que têm déficits para lidar com os sons. Entretanto, o treinamento auditivo como único tratamento não traz benefícios para os transtornos de aprendizagem.

6. O transtorno do processamento auditivo pode ser a causa de dificuldades de atenção e comportamento?

VERDADE: Sim, pois quando o sistema auditivo sobrecarrega e a criança não compreende mais o que está ouvindo; por exemplo, durante a explicação da professora, ela muda o foco para outros estímulos do ambiente, pode ir conversar com os amigos. Entretanto, deve-se ter cuidado e recorrer à avaliação multidisciplinar para verificar se os déficits atencionais e de comportamento configuram outro transtorno.

Perguntas frequentes

O que é o Transtorno do Processamento Auditivo?

São alterações em um conjunto de habilidades auditivas. A pessoa ouve, mas tem dificuldade no tratamento da informação auditiva, que pode ser discriminar entre sons, perceber os sons com precisão, identificar o que foi dito em meio ao ruído, dentre outras. Um exemplo é a dificuldade do aluno entender a explicação da professora diante de ruídos, mesmo que baixos, como barulho de folha de papel, lápis caindo no chão, etc.

Como é feito a avaliação do processamento auditivo?

O teste é feito em cabine acústica, com fones e aplicação de tarefas para o paciente ouvir e responder. Antes, é necessário realizar a audiometria, para ter certeza que o paciente tem limiar auditivo dentro do normal, ou seja, consegue identificar o som. Geralmente, é feito em uma sessão.

Como tratar distúrbio de processamento auditivo?

Quando são constatados déficits nas habilidades de processamento auditivo, pode ser feito o treino auditivo, geralmente em 12 sessões. Como estas dificuldades tem grande probabilidade de estarem associadas a quadros de dificuldades de aprendizagem, déficit de atenção e problemas de linguagem, o audiologista conversa com o solicitante do exame, faz encaminhamentos necessários e discute a melhor abordagem.

Quais são os sintomas do PAC

Dificuldade de compreensão de linguagem em ambiente com ruído ou quando a fala está distorcida; respostas inapropriadas em relação à mensagem ou solicitação de para repetir a mensagem frequentemente; dificuldades para escutar no telefone,  seguir ordens complexas  para aprender língua estrangeira; dificuldades acadêmicas.

Luciene Stivanin

Fonoaudióloga
CRFa 2-14385

• Fonoaudióloga USP
• Doutorado em Ciências da Reabilitação USP
• Pós Doutorado na área de Fonoaudiologia Educacional USP
• Atuação em linguagem, aprendizagem e cognição

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