Discalculia – dificuldade persistente em matemática

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Matemática trata-se de um assunto complexo, especialmente quando falamos em dificuldades apresentadas nesta disciplina.

As notas do desempenho dos alunos brasileiros em matemática são baixas nos testes nacionais e internacionais. Aspectos como o pensamento de que “matemática é difícil mesmo” e questões metodológicas de ensino contribuem para que vários alunos experimentem dificuldades com a disciplina.

Deste grupo de alunos com dificuldade em matemática, uma parcela exibe dificuldades persistentes, mesmo recebendo estimulação adequada e submetidos a métodos pedagógicos adequados. Neste caso, falamos de dificuldades características de um quadro denominado Discalculia do Desenvolvimento.

Discalculia do Desenvolvimento

A Discalculia do Desenvolvimento é um transtorno do neurodesenvolvimento, caracterizado por dificuldades graves, persistentes e intrínsecas nas habilidades aritméticas, resultantes de falha nos sistemas da cognição numérica sem que isso seja decorrente de estudos inadequados e falta de oportunidades escolares ou deficiência intelectual (Kaufmann; von Aster, 2012).

A cognição numérica envolve:

  • Senso numérico: refere-se à capacidade de reconhecer quantidades mesmo sem recursos de contagem. Bebês e crianças pequenas podem discriminar conjuntos com quantidade de itens diferentes, perceber aumento ou retirada de itens, noção de ordenar e seriar, e entender mais e menos.  Embora discuta-se o quanto este conhecimento é inato, sabe-se que estas noções são demonstradas já na primeira infância.
  • Processamento numérico: envolve a compreensão de produção numérica, como aprender as formas de representação dos números (algarismo e por extenso), a noção de unidade/dezena/centena. Tais habilidades são aprendidas formalmente na escola.
  • Cálculo: aprende-se mais tarde no ensino formal e abrange entender os sinais das operações, armazenar fatos como a tabuada e executar o procedimento das operações.

A prevalência de discalculia encontra-se entre 5 a 6% da população.

No Manual Estatístico de Doenças Mentais (DSM-V), as dificuldades persistentes em aritmética são englobadas no quadro de transtorno específico de aprendizagem, com especificação ao déficit em matemática. E traz os seguintes critérios para o diagnóstico:

  1. início precoce e intensificado nos primeiros anos escolares;
  2. persistência dos sintomas por 6 meses;
  3. ausência de transtornos psiquiátricos ou transtornos neurológicos. 

Complementando, estudiosos internacionais apontaram parâmetros para o devido diagnóstico a partir de testes padronizados (Devine et al., 2013; Rotzer et al., 2009; Haase et al., 2011; Santos et al., 2012):

  • 2 anos escolares de discrepância entre o desempenho aritmético da criança e a série frequentada – por exemplo, a criança está no 5º ano, mas seu desempenho em aritmética equivale ao de alunos do 3º ano.
  • Desempenho aritmético de pelo menos 1,5 desvio padrão abaixo da média esperada para a série escolar da criança; 
  • Quociente de inteligência (QI) dentro da normalidade ou esperado pela idade;
  • Resistência à intervenção – mesmo recebendo ensino adequado, reforço acadêmico e intervenção terapêutica, as dificuldades são persistentes.

Os sinais de discalculia podem ser observados desde a pré escola, quando as crianças mostram déficits no senso numérico. Em alguns casos, os déficits mostram-se evidentes durante o ensino fundamental, quando começa o ensino formal da aritmética.

Veja o que pessoas com discalculia podem apresentar dificuldade para:

  • Aprender a contar os números e com o conceito de contar;
  • Contar sem omissão de números durante a contagem;
  • Visualizar conjuntos de objetos dentro de um conjunto maior;
  • Compreender padrões como menor para maior, mais baixo para mais alto;
  • Associar a quantidade com seu símbolo (5 laranjas ao algarismo 5);
  • Aprender e lembrar fatos matemáticos básicos, como 3 + 1 = 4 e 2 x 6;
  • Contar sem o uso dos dedos, com estratégias mais avançadas como Contar mentalmente;
  • Conservar quantidades – não entendem que 1 quilo de arroz é igual a 2 pacotes de 500gr do produto;
  • Identificar sinais das operações como + e -, e usá-los da maneira correta;
  • Entender conceitos como “maiores que” e “ menores que”;
  • Recordar espaço físico das operações, como colocar os números na coluna errada (unidade/dezena/centena);
  • Aprender conceitos matemáticos como por exemplo: 3 + 5 é o mesmo que 5 + 3;
  • Resolver problemas matemáticos;
  • Lidar com dinheiro, como calcular o que consegue comprar ou troco;
  • Ler gráficos e gráficos.
  • Lidar com medidas como peso, líquido, velocidade, distância e direções;
  • Encontrar diferentes meios de resolver o o mesmo problema;
  • Insegurança em jogos, brincadeiras e tarefas que envolvem aritmética.

Entender as habilidades e as etapas esperadas no desenvolvimento, observar os sinais, identificar se as causas são possivelmente biológicas ou dependente do método de ensino, são passos importantes para a intervenção.

O diagnóstico não é feito com base apenas nas dificuldades persistentes em aritmética. Por exemplo:

  • Crianças com TDAH podem apresentar dificuldades em aritmética por não conseguirem manter a atenção ou se lembrar de fatos numéricos. Frequentemente nestes casos, observa-se um aluno que teve raciocínio correto durante a resolução de problemas, mas os resultados finais são errados porque trocou (por falta de atenção) os sinais da operação.
  • Pessoas com dislexia, que tem dificuldades persistentes em leitura e escrita, podem errar nas tarefas de aritmética porque leram de forma errada, ou de forma lenta, e executam de acordo com o que entenderam. Importante nestes casos analisar raciocínio matemático dependente e independente da leitura e escrita.
  • Crianças com transtorno de linguagem oral terão dificuldade em usar nomes para os sinais, compreender as relações mais e menos e o conteúdo das instruções para resolução das tarefas.

Nos exemplos citados acima, os déficits podem ser decorrentes de alterações cognitivas que prejudicam também as tarefas de aritmética OU serem déficits próprios da discalculia. As pesquisas apontam, em geral, alta probabilidade dos transtornos ocorrerem juntos, especialmente discalculia e dislexia.

A avaliação

A avaliação envolve a equipe multidisciplinar e o tratamento é elaborado de acordo com os resultados advindos de várias áreas do desenvolvimento. Por exemplo, duas crianças com discalculia podem ter planos terapêuticos distintos: uma pode precisar de intervenção neuropsicológica com foco no treinamento de atenção e memória e psicopedagógico para aquisição dos conceitos e procedimentos em aritmética. Uma outra criança pode necessitar do treino de atenção e memória e ao mesmo tempo de terapia de linguagem para interpretar os problemas escritos.

Assim, muito cuidado é importante, para avaliação e tratamento. Na clínica ReEscreva, há todos os profissionais necessários para avaliação e elaboração terapêutica.

Fontes consultadas:

Devine, A. et al. Gender differences in developmental dyscalculia depend on diagnostic criteria. Learning and Instruction, v. 27, p. 31-39, 2013.

Haase, V.G. et al. O estatuto nosologico da discalculia do desenvolvimento. Transtornos de aprendizagem 2: Da análise e da reabilitação clínica para as políticas públicas de prevenção pela via da educação. São Paulo: Memnon, 2011, p.139-144.

Kaufmann et al. Dyscalculia from a developmental and differential perspective. Frontiers in psychology, v. 4, p. 516, 2013.

Rotzer, S. et al. Dysfunctional neural network of spatial working memory contributes to developmental dyscalculia. Neuropsychologia, v. 47, n. 13, p. 2859-2865, 2009.

Santos, F.H. et al. Number processing and calculation in Braziian children aged 7-12 years. The Spanish Journal of Psychology, v.15, n. 2, p. 513-525, 2012.

Sanchez Júnior SL, Blanco MB. O desenvolvimento da Cognição Numérica: compreensão necessária para o professor que ensina Matemática na Educação Infantil. Revista Thema, vol 15, nº 1, 2018.

https://www.understood.org/en/learning-thinking-differences/signs-symptoms/could-your-child-have/signs-of-dyscalculia-in-children?_ul=11q6zwdgdomain_userid*YW1wLXdqeXdtR3dWdUpjLXlHQzNaeWhtclE

Ana Luiza Dias Piovezana

Neuropsicóloga e Psicóloga Clínica
CRP – 06/90136

• Psicóloga UNESP
• Neuropsicóloga USP
• Mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem UNESP
• Atuação em psicologia clínica e neuropsicologia

Luciene Stivanin

Fonoaudióloga
CRFa 2-14385

• Fonoaudióloga USP
• Doutorado em Ciências da Reabilitação USP
• Pós Doutorado na área de Fonoaudiologia Educacional USP
• Atuação em linguagem, aprendizagem e cognição

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