Atraso e transtorno de linguagem

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O impacto na aprendizagem e socialização é reconhecido mundialmente. Por isto, a mobilização para estimulação, diagnóstico e intervenção precoce é consenso entre pesquisadores, clínicos, professores e pais.

Profissionais da saúde e educação, professores e pais devem estar atentos ao desenvolvimento global e de linguagem das crianças. Questionamentos dos pais, como “meu filho ainda fala”, “meu filho fala pouco”, “ninguém entende o que meu filho fala”, devem ser consideradas e resolvidas por especialistas em linguagem. Orientações como “espere o tempo dele”, “espere entrar na escola que passa”, “ele entende tudo, é inteligente, não se preocupe” podem atrapalhar quando realmente existe um transtorno e impede a intervenção precoce.

Recomenda-se atenção ao desenvolvimento da criança. Dois terços das crianças com até 3 anos e meio com atraso de linguagem, manterão o atraso após 1 ano, caso não recebam intervenção.

Vejam como é importante ter orientação adequada:

“espere o tempo dele” – sabemos que há diferenças entre as crianças no ritmo de desenvolvimento, mas a sequência de aquisição das habilidades é a mesma e existem faixas etárias onde tais aquisições são esperadas.

“espere entrar na escola que passa” – alguns profissionais indicam esperar até o 1º ano, quando começa o ensino formal. Nesta fase, é esperado que a criança tenha um sistema linguístico bem desenvolvido, com todos os sons, bom vocabulário e frases bem estruturadas. Estas habilidades são a base para a alfabetização e interfere fortemente na socialização.

“ele entende tudo, é inteligente, não se preocupe” – não é motivo para não cuidar do desenvolvimento da fala. No transtorno de linguagem, a criança é inteligente, pode entender tudo, mas terá dificuldade especifica em expressar suas ideias e necessidades verbalmente.

Para ter informações sobre o desenvolvimento da linguagem, veja o artigo “O desenvolvimento da linguagem” e sobre o impacto na aprendizagem e comportamento veja o artigo “Linguagem: aprendizagem e comportamento”.

Há várias condições em que a criança pode ter dificuldades na área da linguagem. Estas dificuldades surgem em decorrência de déficits sensoriais, cognitivos, motores e/ou comportamentais, que impactam a forma como a criança adquire os domínios linguísticos.

Algumas destas condições são:

  • Perda auditiva
  • Deficiência intelectual
  • Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade
  • Autismo
  • Mutismo seletivo
  • Traumatismo craniano

Em outros casos, o atraso e o transtorno de linguagem aparecem sem ter como causa nenhuma condição. Ou seja, a criança demora para falar e desenvolver a linguagem, sem ter perda auditiva, deficiência intelectual, alterações motoras, autismo e quadros comportamentais. A avaliação multidisciplinar é importante, para mapear todas as áreas do desenvolvimento. Não é tão simples identificar se os déficits de linguagem são consequência de algumas condições, se ocorrem sozinhos e/ou junto com outras condições. Outro cuidado é avaliar se existe um atraso ou transtorno de linguagem.

No atraso de linguagem, a criança apresenta boa compreensão, mas há atraso na aquisição e desenvolvimento da produção verbal. É esperada a mesma sequência de desenvolvimento linguístico observada em crianças típicas. Com adequação da estimulação e pouco tempo de intervenção fonoaudiológica, a criança atinge o nível esperado de linguagem.

No transtorno de linguagem, a criança tem inteligência preservada, mas enfrenta déficits nos domínios linguísticos, que persistem durante o desenvolvimento, sendo difícil superar sem intervenção intensiva e adequada.  Pode haver comprometimento da compreensão e/ou expressão da linguagem, e afeta dois ou mais domínios (sistema de sons, vocabulário, gramática e sintaxe, habilidades pragmáticas).

  • As alterações na recepção/compreensão da linguagem envolvem dificuldades em entender o que o outro diz e isto atrapalha a criança em seu dia-a-dia, durante a interação com adultos e crianças. A criança pode não entender o que os amigos disseram e responder ou complementar de forma errada, assim como pode não conseguir executar ações em um jogo e ainda não aprender o que a professora explicou porque não entendeu.
  • As alterações na expressão da linguagem dizem respeito à forma como a criança fala. Neste caso, a criança tem conhecimento armazenado, compreende o que é dito por outras pessoas, consegue associar as ideias contidas nas frases. Entretanto, ao falar, demora para acessar ou não acessa palavras variadas, não consegue planejar palavras em ordem adequada e com coerência. Sua fala torna-se mais simples, com poucas palavras e/ou palavras na ordem incorreta, uso restrito de palavras.
  • Em alguns casos, as alterações em compreensão e expressão da linguagem ocorrem simultaneamente e, nestes casos, a pessoa tem mais dificuldades na comunicação.

Estudos apontam interação entre fatores genéticos e ambientais para a causa dos transtornos de linguagem. O desenvolvimento da área genética permitiu identificar genes envolvidos neste transtorno. Simultaneamente, o estudo envolvendo principalmente irmãos gêmeos, trouxeram fatores ambientais que também impactam o desenvolvimento da linguagem. Seguem alguns fatores de risco identificados:

  • mutação em alguns genes (um gene muito estudado é o FOXP2)
  • histórico familiar de transtornos da comunicação
  • idade e educação materna
  • exposição materna a infecções e drogas
  • baixa ingestão de ácido fólico na gestação
  • prematuridade e baixo peso ao nascer
  • ambientes pobres em estimulação
  • ambiente com violência física e/ou verbal

Crianças com transtorno de linguagem podem ser diferentes entre si. Em uma criança, pode chamar atenção sua fala com vários tipos de trocas e frases sempre curtas. Em outra criança, o mais grave poder ser o uso limitado de palavras e dificuldade em entender o que as pessoas falam. Algumas tem o quadro com sinais mais leves e outras o apresentam com déficits mais graves.

Alguns adolescentes e até mesmo adultos chegam à clínica com queixas de dificuldade na interpretação de textos, notas baixas na faculdade ou frustração em seus empregos. Déficits de linguagem podem ser sutis, principalmente quando o ambiente não exige muito e a pessoa se adapta desenvolvendo formas de contornar a situação. Por exemplo, identifica as pessoas e situações em que consegue participar de interação facilmente.

A avaliação fonoaudiológica deve ser completa e deve contemplar os níveis de processamento da e linguagem, suas áreas (compreensão e expressão) e seus domínios (fonologia, semântica, sintaxe, morfologia e pragmática). É necessário que os pais compreendam a importância da avaliação: esta não é feito em uma única sessão; é preciso uma conversa entre fonoaudiólogo e os pais para coletar os fatores de risco; algumas sessões de observação e avaliação.

Encaminhamentos também precisam ser feitos. Assim como nos demais transtornos da comunicação, é importante garantir que a sensibilidade auditiva e a produção motora estejam intactas. Também é imprescindível a avaliação neuropsicológica, para descartar que as dificuldades de compreensão sejam decorrentes de deficiência intelectual.

O tratamento fonoaudiológico é estruturado de acordo com áreas e domínios impactados. A interação multidisciplinar é importante para diagnóstico e eventuais consequências dos transtornos de linguagem.

Peça relatório de avaliação ao profissional que avaliou o seu filho, para documentar a avaliação e poder analisar a evolução.

Se tiver dúvidas, não hesite em procurar um fonoaudiólogo.

Fontes consultadas:

ASHA: American Speech and Hearing Association. Meaning of Communication Disorders. [citado 20/05/2020]. Available from: http://ajslp.pubs.asha.org

Fisher S. Evolution of language: Lessons from the genome. Psychon Bull Rev (2017) 24:34–40.

Prior M, Bavin E, Cini E, Eadie P, Reilly S. Relationships between language impairment, temperament, behavioural adjustment and maternal factors in a community sample of preschool children. Int J Lang Commun Disord, 2011, 46(4):489–494.

Roustone S, Peter TJ, Glogowska M, Enderby P. A 12 months follow-up of preeschol children investigating the natural history of speech and language delay. Child Care Health Dev. 2003;29(4):245-255.

Roth C, Magnus P, Schjølberg, Stoltenberg C, Surén P, McKeague IW, Davey Smith G, Susser E. Folic acid supplements in pregnancy and severe language delay in children. JAMA, 306 (14) (2011), pp. 1566-1573

Zimmerman. Do infants born very premature and who have very low birth weight catch up with their full term peers in their language abilities by early school age? Journal of Speech Language and Hearing Research, 61 (2018), pp. 53-65

Luciene Stivanin

Fonoaudióloga
CRFa 2-14385

• Fonoaudióloga USP
• Doutorado em Ciências da Reabilitação USP
• Pós Doutorado na área de Fonoaudiologia Educacional USP
• Atuação em linguagem, aprendizagem e cognição

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